quinta-feira, 5 de julho de 2012




A Rua das Ilusões Perdidas
(Cannery Row)

                                            John Steinbeck: homenagem aos "despossuídos".



"Cannery Row é um poema, um mau cheiro, um rangido, um tipo de luz, uma cor, um hábito, uma nostalgia, um sonho."
Essa é a frase de abertura de "A rua das ilusões perdidas", um dos romances de Steinbeck. Provavelmente um dos mais importantes. Certamente um dos mais populares que ele escreveru (ao loado de "Ratos e homes" e de "As vinhas da ira").
E já entrega boa parte do que o livro, chamado "Cannery Row" no original, vai ser. A descrição de um lugar e de suas pessoas. Mas não qualquer lugar: um lugar sujo (mau cheiro), barulhento (rangido), e idealizado (um sonho).
E o livro é exatamente isso: uma idealização de um lugar que, apesar da pobreza material, tem gente que faz o mundo valer a pena.
A ideia de Steinbeck fica ainda mais clara se você lê o que vem abaixo. Depois de descrever o cenário, ele fala sobre como vão ser as pessoas que ali habitam.
“Seus habitantes são, como o cara disse uma vez, ‘prostitutas, cafetões, apostadores, e filhos da puta', com o que ele queria dizer Todo Mundo".
“Se ele tivesse olhado de outra maneira, poderia ter dito 'santos e anjos e mártires e homens sagrados' e teria significado a mesma coisa."
Esse é o tipo de imagem que Steinbeck quer passar. Seus personagens muitas vezes estão no fundo do poço. Não só não têm dinheiro como têm sérios desvios de conduta (bebida, roubo, mentiras). Mas ele os perdoa devido à situação em que estão e em que foram criados.
Mais do que isso. Promove-os a santos. Em meio a um mundo de aparências, onde a maior parte das pessoas quer riqueza, luxo, ostentação, as prostitutas baratas e os bebuns de seus livros seriam os únicos "puros de coração".
Sim, estamos falando de um livro quase ingênuo. A era é a que se segue à grade depressão econômica norte-americana (o livro é escrito em 1944) e Steinbeck conta a história da Califórnia bem diferente da que imaginamos hoje.
Seus personagens não eram novidade na literatura americana. Outros autores, como Mark Twain e Hemingway, vinham falando de regiões empobrecidas e de trabalhadores braçais.
Mas Steinbeck leva a coisa um pouco adiante. Na sua rua, quase necessariamente é preciso ser pobre para ser bom.
O livro mostra o contraste entre um bando de perdidos na vida e um cientista (que representa um amigo real de Steinbeck), conhecido como Doc. Ele estuda biologia e vive no mesmo lugar que os outros, embora tenha estudo e cultura.
Mas Doc entra na lista dos puros de coração de Steinbeck. E é uma espécie de herói local para os outros que, por gostarem dele e saberem que ele é importante para todos na região, decidem fazer uma festa no seu aniversário.
O livro conta como os bebuns conseguem estragar a festa toda. Mas, mesmo assim, Doc se emociona profundamente com o calor humano que levaram até ele.
É um livro que tenta traçar um perfil da bondade humana e da necessidade que temos um do outro.
Que fala sobre como poderíamos tentar algo diferente, apesar de nossos erros e de nossos problemas. E que defende que a felicidade pode ser alcançada de qualquer jeito.
Steinbeck era bom no que fazia. Levou o Nobel pelo conjunto de sua obra. Mas nunca virou uma unanimidade. Pela descrição de sua visão do mundo, é fácil entender o porquê. Mesmo para quem não pensa assim, porém, o livro é rápido, divertido e inteligente.

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