Vídeo Aula:
I - INTRODUÇÃO/RESUMO
Pretendemos
neste capítulo discorrer sobre a passagem do mito à filosofia e a participação
que a astronomia/cosmologia tem nesse processo, tendo em vista que os primeiros
filósofos eram voltados à natureza ou a physis como veremos.
Para
isto começamos esclarecendo o que vem a ser o chamado mythos. Ilustramos isso com alguns exemplos de
mitos da criação do mundo. Lembramos que alguns permanecem nos dias de hoje.
Damos alguns exemplos de corpos celestes que tiveram seus nomes oriundos nos
diversos mitos da antiguidade. Distinguimos cosmogonia de cosmologia e mito de
filosofia. Mostramos como surge a filosofia, em que condições históricas, quais
são os fatores determinantes para a sua origem, e quais são as características
desse pensamento filosófico. Comentamos sobre o legado que os chamados
pré-socráticos deixam para a cosmologia e a astronomia não só para a
modernidade como para os nossos dias na contemporaneidade.
II - MITO E COSMOGONIA
A) O
MITO
Mito
segundo o Dicionário básico de filosofia de Japiassú e Marcondes é uma: “Narrativa lendária, pertencente à tradição cultural de um
povo, que explica através do apelo ao sobrenatural, ao divino e ao misterioso,
a origem do universo, o funcionamento da natureza e a origem e os valores
básicos do próprio povo. Ex.: o mito de Ísis e Osíris, o mito de prometeu etc.
O surgimento do pensamento filosófico-científico na Grécia antiga (séc.
VI a.C.) é visto como uma ruptura com o pensamento mítico, já que a
realidade passa a ser explicada a partir da consideração da natureza pela própria,
a qual pode ser conhecida racionalmente pelo homem, podendo essa explicação ser
objeto de crítica e reformulação; daí a oposição tradicional entre mito e logos”.
(2006, p.189).
Vamos,
portanto, percorrer neste capítulo, a passagem desse mito à filosofia e o
quanto for possível e pertinente mencionar uma configuração do surgimento da
ciência e da astronomia científica ou cosmologia que se difere da
cosmogonia, como veremos neste processo.
B) A COSMOGONIA
Cosmogonia
segundo Japiassú: (gr. Kosmogonia: criação do mundo) Teoria
sobre a origem do universo, geralmente fundada em lendas ou mitos e ligada a
uma metafísica. Em sua origem, designa toda explicação da formação do universo
e dos objetos celestes. Atualmente, designa as explicações de caráter mítico.
(2006, p.59)
Assim
assumiremos neste texto este posicionamento, esta distinção entre cosmologia e
cosmogonia considerando, portanto, esta última como “mítica”, ou melhor, não
pautada em “leis físicas”.
Na
Antiguidade podíamos dizer que o “conhecimento” estava com todo o povo, pois o
mito “pairava no ar”, fazia parte do povo e o mito era o “conhecimento”. Ele
era passado de geração em geração de forma oral. Dessa maneira não se exigia
muito, “bastava ouvir”, para captar o mito. O mito era componente desse povo.
Mas
o que vem a ser esse mito? O termo grego mythos ‘’significa um tipo bastante especial de
discurso, o discurso fictício ou imaginário, sendo por vezes até mesmo sinônimo
de ‘mentira’. ’’ Como diz Marcondes (2005, p.20).
Esse
discurso difere-se do discurso do logos, como veremos mais
à frente.
III - OS POETAS HOMERO E HESÍODO
Poetas
como Homero, com a Ilíada e a Odisséia (séc. IX a.C.), e Hesíodo (séc. VIII
a.C.), com a Teogonia, foram indivíduos
como diz Marcondes, “que registraram poeticamente lendas recolhidas das
tradições dos diversos povos que sucessivamente ocuparam a Grécia desde o
período arcaico (c. 1500 a.C.)”. (2005, p.20).
Provavelmente
quando o homem começa a utilizar-se do mito a fim de buscar respostas para as
diversas perguntas que certamente os questionavam, já estava procurando uma
explicação para o que ocorria na natureza. Assim a primeira forma de
compreender o espanto, o thauma gerado pelos
fenômenos da natureza, pelos sentimentos humanos, e ainda aplacar a angustia,
foi e muitas vezes ainda é o mito.
IV - O MITO COMO EMBRIÃO DO SABER
Então
o mito foi um início de “caça” por algumas respostas (para usarmos um termo
pertinente à época). O que de certa maneira gostaríamos de chamar de: o embrião
da ciência. Mas evidentemente que não tem nada a ver com a ciência como vamos
conhecê-la posteriormente, pois se difere desta em vários aspectos. Um deles é
o investigativo, e como as explicações são dadas, ou seja, o discurso que os
constituem.
V - O MITO COMO DOGMA
No
mito o discurso pressupõe a adesão e a aceitação dos indivíduos que não o
questionam, e assim ele pode ser dado sem fundamentação, e não se presta à
crítica nem à correção. Ao contrário, para os pensamentos
filosófico-científicos, precisamos de uma lógica, uma coerência, é facultada à
observação empírica, pode se criticar e corrigir eventuais desacertos. Mas o
fato de não ser questionado, e de não ter uma lógica não impediu que fossem
passados de geração em geração milhares de mitos, tal foi e tal é a força do mito.
VI - HERANÇAS
MÍTICAS
Os
mitos de criação, por exemplo, são inúmeros. Vários povos do passado tinham os
seus particulares, muitos eram conflitantes, outros com algumas afinidades
entre si. Conforme exemplifica Vieira: Para
os Sumérios o universo fora criado pela união de Anu (deus do Céu) e Ki (Terra)
e dessa união surgiram o Sol, a Lua, os planetas e todas as formas de vida.
Encontramos a mesma mitologia na Grécia (união de Urano, deus do Céu, e Gaia, a
Terra), no Egito (união de Nut, deusa do Céu, com Keb, Terra). O Centauro,
Órion e Hércules imaginados pelos gregos foram importados dos sumérios
que os conheciam como Enkiru, Gilgamesh e Marduk, respectivamente. (2002,
p.15).
VII - A “RAZÃO” NO MITO
É
Interessante observar que grande parte dos mitos de criação tinha certa conexão
cronológica, uma sequencia bem definida, uma causalidade embora mítica. Seria
natural que esses povos, sem muitos “ferramentais” intelectuais disponíveis,
buscassem na imaginação o seu “apoio”. É curioso observar que alguns destes
relatos têm até fundamentação cronológica e científica apurada posteriormente.
Não vamos aqui, tomar partido nem dar opiniões a este respeito, pois muitas
destas questões estão no magistério da fé.
VIII - A MITOLOGIA JUDAICO-CRISTÃ
De
todos os relatos da criação, a mais conhecida no ocidente é sem dúvida a do
Gênesis da Bíblia Judaico-Cristã como comenta Cherman:
O mecanismo criador é o próprio Deus
onipotente, que está além do Universo e o contém. “No princípio era o Nada e
Deus disse ‘faça-se a luz!’ e fez-se a luz.” Esta idéia tem sua primeira
semente no zoroastrismo (talvez a primeira religião a adorar um deus único) e
sua figura de Aúra-Mazda, o sábio senhor. (2000, p.20).
Poderíamos
citar diretamente da Bíblia de Jerusalém no Gênesis, capítulo 1º, o início
deste relato da criação:
1 No princípio, Deus criou o céu e a
terra. 2 Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e
um vento de Deus pairava sobre as águas.
3 Deus disse: “Haja luz” e houve luz. 4 Deus viu que a luz era boa, e Deus separou a luz e as trevas. 5 Deus chamou à luz “dia” e às trevas “noite”. Houve uma tarde e uma manha: primeiro dia. (1985, p.31).
3 Deus disse: “Haja luz” e houve luz. 4 Deus viu que a luz era boa, e Deus separou a luz e as trevas. 5 Deus chamou à luz “dia” e às trevas “noite”. Houve uma tarde e uma manha: primeiro dia. (1985, p.31).
IX - O MITO ONTEM E HOJE
A) IDENTIFICAÇÃO
Como
vimos, antigas tradições míticas de nossos ancestrais nos foram transmitidas, e
muitas ainda fazem parte de nossa cultura. Outras tradições deram nomes a
“corpos celestes” incluindo-se: estrelas, constelações, planetas, nebulosas,
galáxias, faixa luminosa no céu, etc. Essas situações, cenas que representavam
suas lendas, deuses e heróis, batalhas, entre outras, ajudaram nossos
antepassados a memorizar suas estórias e histórias; os ajudaram a se locomover
sem se perder guiados pelas estrelas e constelações; os apoiaram na
identificação da estação do ano em que se encontravam e sabiam quando viria à
próxima e qual seria; sabiam quando era a época das enchentes dos rios; quando
era época de plantar e de colher, etc.
B) A VIA-LÁCTEA
Alguns
nomes dados a esses “corpos celestes” merecem aqui referência a título de
ilustração, como exemplo, a Via-Láctea - via-lactea, (não confundir com a nossa galáxia
local, também chamada de Via-Láctea). Como diz Vieira é: Uma larga faixa luminosa que se vê a olho nu nas noites de
céu estrelado. Segundo a mitologia grega, originou-se do leite jorrado dos
seios de Juno, quando esta amamentou Hércules. Também para a mitologia grega
era através da Via-láctea que se chegava ao Olimpo, ficando à direita e à
esquerda as habitações dos deuses mais poderosos. É também por onde os heróis
entram nos céus. (2002, p.29).
C) A CONSTELAÇÃO DE ÓRION
Outro
exemplo interessante de nomes dados a esses “corpos celestes”, seria uma
constelação, que de alguma forma faz referência ao nosso trabalho pois cita o
amor pela astronomia. Como estamos falando da passagem do mito à filosofia
enfocando o caso da astronomia, não poderíamos deixar de falar de Órion.
Segundo Vieira: Órion – Orion. É uma constelação
muito antiga. Na Suméria representava o herói Gilgamesh. Na mitologia grega
tomou o nome do filho de Hirieu. Tornou-se célebre por seu amor à Astronomia e
pelo seu gosto à caça. Diana, a quem ele ousara desafiar, enviou à Terra um
escorpião, cuja picada matou Órion. Escorpião e Órion foram, então,
transformados em constelações. (2002, p.28).
D) O NOSSO SISTEMA SOLAR
Outros
mitos fazem alusão ao Sol, à Terra, à Lua e aos diversos planetas conhecidos de então, os chamados “corpos errantes” ou planetas pois não seguiam os mesmos caminhos das
estrelas: eram “errantes”. Aqueles planetas que podiam ser vistos a “olho nu” –
sem a necessidade de telescópios – também poderiam ser citados aqui; mas
nosso principal objetivo é demonstrar a passagem do mito à filosofia e,
portanto, só mencionamos aqueles exemplos anteriores, para ilustrar um pouco
a importância, relevância e a conexão com a natureza que esses povos
tinham já há muitíssimo tempo.
X - COSMOLOGIA:
O INÍCIO DO MÉTODO
Cherman
comenta no seu livro Cosmo-o-quê?
Uma Introdução a Cosmologia, no capítulo intitulado – Cosmogonia – que
há uma diferença substancial entre a Cosmologia e a Cosmogonia e que “qualquer
tentativa de explicar o Universo sem a utilização das leis físicas que o regem
será, aqui, denominada de teoria cosmogônica.” (2000, p.14).
XI - COSMOGONIA E COSMOLOGIA: DIFERENTES FORMAS PARA O
MESMO PROBLEMA
Assim
entendemos que para as diversas perguntas da humanidade sempre se tentaram
respostas por diversos caminhos antes dos científicos.
Os
gregos, diz Cherman, foram os que mais contribuíram para as teorias
cosmogônicas: Nenhuma cultura contribuiu mais para
as teorias cosmogônicas do que a da península do Peloponeso. Os gregos, ainda
que afeitos às suas divindades, inauguraram um novo jeito de pensar o Universo.
É verdade que ainda cantavam os feitos de Zeus (que seria Júpiter para os
romanos), filho de Cronos, o titã que representava o tempo, neto de Uranus, a
própria abóbada celeste, mas já ensaiavam um pensamento crítico que lhes
permitia examinar a natureza com olhos de cientistas. (2000, p.21).
Sistematizado de:http://www.benitopepe.com.br/2012/02/20/do-mito-a-filosofia-o-caso-da-cosmologia/ Em 08/03/2015.
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