quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Morrer Mil Vezes (A justiça tarda e quase sempre falha)

Por: Claudio Fernando Ramos (Cacau)

Estando em nosso país, se quiseres os inocentes, dificilmente os encontrarás. Quanto às vítimas, temos incontáveis.  Porém, se procuras os culpados e culpadas, eis a maior delas: Lei Fleury - Lei no 5.941, de 22 de novembro de 1973.  Art. 408. § 2º Se o réu for primário e de bons antecedentes, poderá o juiz deixar de decretar-lhe a prisão ou revogá-la, já se encontre preso.
Não sou jurista, nunca estudei nada sobre o direito penal e civil de nosso país. O máximo à que chego, não passa da esfera do senso comum. Aliás, situação essa, bem semelhante à maioria de nossa população e, se me permitem a ironia, a de vários advogados formados em “faculdades” de ocasião (que o curso da OAB não deixe mentir). Assim sendo, permito-me uma pequena, mas nem por isso insignificante, reflexão sobre esse câncer que o Congresso Nacional insiste em não extirpar: a Lei Fleury.
                A Lei Fleury, sancionada na década de setenta, sob a gestão do então presidente militar: Emílio G. Médici, foi definitivamente consagrada em nossa Assembléia Constituinte de 1988. Visto que naquela época, as “verdades” de nossa nação não encontravam ecos como encontram em dias atuais, é muito provável que isso tenha contribuído para cegar os nossos parlamentares e juristas, sobre a face oculta dessa jovem, mas descaracterizada nação: Brasil, um país onde se morre várias vezes (de injustiça, de vergonha, de ignorância, de abandono, de assassinato...).
                Fala-se recorrentemente, principalmente na esfera do executivo, sobre a presunção de inocência, isso é ótimo; afinal, não se deseja que inocentes paguem o que não devem. Porém, é vexatória a situação com que temos de lidar diariamente: provas escritas (documentos), filmadas (áudio e vídeos), testemunhos oculares (geralmente com mais de uma testemunha), de pouco ou de nada servem; ante as leis extremamente flexíveis (principalmente para os que têm recursos financeiros). Aceitando ou não, me parece que somos uma nação propícia para a proliferação de criminosos contumazes. Ignora-se sistematicamente o significado e o valor da palavra honestidade. Às vezes, só às vezes, chego a pensar em conspiração, mas logo me recomponho desse delírio momentâneo e constato as presenças de nossas heranças coloniais e militares: clientelismos, favoritismos, corporativismos, nepotismos e a pior de todas: as impunidades. Tudo devidamente no plural. Afinal em uma nação com dimensões continentais, como é o caso da nossa, tudo deve ser proporcional. Essa última (a impunidade) é de longe a marca registrada de nosso país, desculpem-me os amantes do futebol.
                A Lei Fleury torna legal e, por conseguinte, legítimo, que uma pessoa possa recorrer a quantas instâncias houver nesse país. Até aí, tudo bem, visto que na maioria das nações onde o Estado de Direito está instituído, isso também ocorre. Só que em nosso caso o criminoso usa desse expediente em plena liberdade, ou seja, ele pode responder o processo fora das grades até que seja dada a sentença em última instância, isso se houver (veja o caso do ex-jogador Edmundo). Quando o que estiver em julgamento for um crime de menor monta, essa lei deve se fazer notar; mas a aplicação dessa mesma lei, deveria ser considerado ultrajante (no mínimo), quando o crime praticado for o de assassinato. Exemplos é o que não nos faltam: “Quase 11 anos depois de ter assassinado a ex-namorada, o jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves, 73 anos, foi preso. Ele se entregou à Divisão de Capturas da Polícia Civil de São Paulo poucas horas após a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) determinar que o juiz da Comarca de Ibiúna (SP) executasse de imediato a prisão do réu confesso. Pimenta Neves foi condenado a 15 anos de cadeia, pena que terá de ser cumprida, inicialmente, em regime fechado [...].”
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica-brasil-economia/2011/05/25/internas_polbraeco,253747/jornalista-antonio-pimenta-neves-e-preso-apos-11-anos.shtml
Como é possível recebermos novamente um criminoso no ceio de nossa sociedade, sem que ele tenha pago, se condenado (não importando em que instância), pelo  crime praticado? Caso sinta-se injustiçado, que faça uso de seu direito de recorrer, mas nunca, em liberdade. É do conhecimento de todos que no Brasil um criminoso, quando possui recursos, não contrata advogados para abrandar-lhe a pena, ou até mesmo inocentá-lo, mas o faz para enrolar o máximo possível, na perspectiva, quase certa, de que a lei irá prescrever ou coisa que o valha. Também não é segredo que por aqui “não temos” (ao menos não legalmente) pena de morte, nem prisão perpétua. Mesmo nas raras ocasiões em que se vai para cadeia é só uma pequena fração da pena que se paga em regime fechado (isso será sem dúvida o que ocorrerá com Pimenta Neves).
Com o avanço mundial dos direitos humanos (desde o Renascimento, encorpando-se na Revolução Francesa e consolidando-se no pós-guerra, com a criação da ONU) as leis penais tendem a serem flexibilizadas. Isso não é de todo mal, não devemos sonhar com o retorno de masmorras nos moldes medievais, nem com interrogatórios nos moldes da Inquisição Católica Romana. Porém, é mister que haja exceções. A família que teve seu ente querido morto por um delinquente social, não pode ficar exposta a essa situação injusta, vergonhosa, revoltante e constrangedora. Conviver com aquele que lhe fez o mal sem que a correção se apresente em tempo hábil, nos predispõem a ouvir as orientações da sedutora: vingança. Todos sabem que esta, diferentemente daquela, se constitui na pior das conselheiras. Quando isso ocorre quebra-se o pacto social, segundo Hobbes, volta-se ao estado de natureza, ou seja, tornamo-nos lobo de nós mesmos. Sem esse pacto, não há lei nem ordem, em função disso a segurança e a paz torna-se um sonho impossível.
                Enquanto os acomodados e, principalmente, os beneficiados se calam, a sociedade vem sucumbindo não uma, mas duas, três, mil vezes. Porém, há vozes discordantes que se levantam para se fazerem ouvir. Tomo como exemplo a do promotor Marco Aurélio Lima do Nascimento, disse ele: "Por mais hediondo que seja o crime, o criminoso nunca vai para a cadeia, porque pode se valer de uma infinidade de recursos judiciais, que retardam a aplicação da justiça por dez, vinte ou trinta anos.” Por isso é desejo do promotor que os deputados revoguem a Lei Fleury (Lei 5941/73), que permite ao condenado aguardar em liberdade o julgamento do recurso. Na opinião do jurista essa lei é um "entulho autoritário, um resquício da ditadura", e tem servido para garantir a impunidade dos criminosos que dispõem de condições econômicas para pagar bons advogados. http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/88530.html
                        Dizem alguns, principalmente os religiosos, que a morte é a mesma para todos e que no fim receberemos o mesmo destino: deixar de viver.  Quanto à morte em si, isso pode até ser verdade, mas isso certamente não se aplica a maneira como se morrer. Caso as autoridades (política e jurídica) resolvam promover uma, já tardia, reforma nas leis desse país; seguindo o bom senso e a orientação de homens coerentes e experientes, como é o caso do promotor público acima citado, e de todos os cidadãos comuns, que mesmo sem serem advogados, têm noção do certo e do errado. Eu, assim como todos os outros cidadãos, poderei, certamente, viver melhor. E quando chegar à hora de morrer, morrerei minha própria morte, não a que me impuserem. E o que é melhor: uma única vez.

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