domingo, 28 de abril de 2013

Um papa que era mulher



Romance conta a história de uma camponesa que se tornou a única religiosa a exercer o mais alto cargo da Igreja Católica
Natália Rangel - Revista Isto É.



Em plena Idade Média, na noite de 28 de janeiro do ano 814, nascia em uma família de camponeses, na aldeia alemã de Ingelheim, uma menina chamada Joana. Quando adulta, ela seria a única mulher a exercer a função de papa na história da humanidade. Filha de um missionário da Igreja Católica, a menina foi criada sob os rígidos ditames da religião, que naquela época reservava às mulheres poucos direitos e lhes impunha muitas proibições, como a alfabetização. Joana viveu questionando os cânones de seu tempo, aprendeu o latim e o grego antes dos 10 anos de idade e aos 16 adotou a identidade do irmão morto numa batalha. Tudo isso para assumir funções eclesiásticas num monastério beneditino. Tornou-se papa entre 851 e 853 e morreu ao dar à luz uma criança quando tinha 42 anos.

A sua curiosa e desconhecida trajetória já foi levada às telas na década de 1970 em um filme protagonizado pela atriz Liv Ullman. Agora, volta com mais apelo em uma produção alemã dirigida pelo cineasta Sonke Wortmann. O filme baseia-se no livro "Papisa Joana" (Geração Editorial), da escritora inglesa Donna Woolfolk Cross, que acaba de ser lançado no Brasil. A autora construiu um romance sustentado por informações obtidas em arquivos da Igreja e reconstituiu a vida de Joana. Segundo a autora, a história da papisa era considerada uma realidade até o século XVII, quando disputas religiosas teriam levado o Vaticano a ordenar a destruição das provas de sua existência. Um dos registros é um julgamento ocorrido em 1413 em que João Hus, acusado de heresia, cita em sua defesa a falibilidade do papa e para sustentar sua tese menciona o fato de Joana ter sido eleita pontífice mesmo sendo uma mulher.

Além de obras de arte que retratam a papisa, há um outro dado intrigante: João XX teria ordenado uma investigação rigorosa nos documentos eclesiásticos sobre Joana. Isso em 1276. Após a conclusão dos estudos, ele mudou seu nome para João XXI, reconhecendo o papado da religiosa. Na história criada pela autora, Joana é movida por um forte pragmatismo e inteligência. Questiona os dogmas da Igreja e conquista a simpatia de um sábio grego que lhe concede o privilégio de estudar numa instituição de ensino. Apesar de ser constantemente perseguida por colegas e autoridades, ela consegue permanecer um ano na escola até que o ataque de um exército bárbaro ao seu vilarejo extermina a maioria de seus habitantes. Entre as vítimas está seu irmão, identidade que ela assumiu para seguir em frente com os seus objetivos. Joana cortou o cabelo, mudou suas vestes, fingiu ser homem e passou a ser chamada João Ânglico. É com esse nome que se tornou conhecida por seus supostos dons de evitar a transmissão da hanseníase: uma de suas providências, verdadeiro sacrilégio na época, foi fazer com que cada pessoa na missa molhasse na taça de vinho a hóstia com a qual comungaria, abolindo assim o hábito secular em que todos os fiéis bebiam um gole do vinho no mesmo recipiente. A história correu as aldeias, ela passou a ser conhecida em diversas regiões da Europa e em alguns anos tornou-se a médica do próprio papa Leão IV.

É assim que conquista a confiança de seus colegas até ser consagrada por unanimidade a nova pontífice de Roma. Ela traz de seu passado, porém, um amor proibido que reencontra quando já exerce o mais alto cargo da Igreja. Engravida, consegue disfarçar essa condição ao longo de nove meses (aparecendo raramente em público), mas é desmascarada ao dar à luz uma menina na rua, enquanto se dirigia para a Igreja de Latrão, entre o Coliseu de Roma e a Igreja de São Clemente. Joana e a filha morrem no momento do parto - ela encerra assim o seu papado de dois anos, um mês e quatro dias. A dúvida sobre sua existência talvez nunca se desvaneça totalmente, já que se trata de um período histórico marcado pelo terror, pelo obscurantismo e pelas guerras. Sua trajetória foi lembrada pela primeira vez no século XIII pelo escritor Esteban de Borbón, porém sem provas. Em 1886, ela voltou a ser difundida pelo grego Emmanuel Royidios (traduzido para o inglês por Lawrence Durrell). A autora Donna lança mão da criatividade, mas garante que conteve os seus "saltos imaginativos": "Os detalhes do século IX com que compus o cenário do livro, por estranhos e selvagens que pareçam hoje, são todos verdadeiros."

Um comentário:

  1. FiloCine (Crítica)

    “A Papisa Joana” – Ano 2009

    Por: Claudio Fernando Ramos, 28/04/2013. Cacau “:¬)

    Excelente filme para as minorias sociais, principalmente para as mulheres. Ao longo dos séculos, ou para ser mais preciso, desde que o mundo é mundo, nossas mães, irmãs, companheiras e amigas, vêm sofrendo toda sorte de abusos por parte dos homens. Contraditórios e insenssíveis na essência, os homens idealizam a maternidade, mas desprezam sua única protagonista: a mulher. Ao ver o filme, o que mais salta os olhos é a condição da mulher em meio a uma sociedade massacrante, aviltante e cruel; porém, uma incomum bravura e obstinada determinação, sem utópicos heroismos, surge como única antítese a vigente tese degradante. Fé em Deus e, principalmente, a defesa de suas convicções; disso se alimenta a Jovem e convicta Joana. Ser humano, ser mulher, ter fé... São caminhos! E todos os caminhos precisam de quem os pavimente. Essa propocisão é bem mais comum do que pode imaginar. Cacau “:¬)

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